A passagem do presidente de facto, Michel Temer, pela Suíça, na semana passada, durante o Fórum Econômico Mundial, de forma praticamente invisível, começa a se explicar melhor a partir do artigo do reverenciado ativista ambiental norte-americana Franklin Frederick. Presente ao Fórum, Frederic lembrou, em artigo publicado na mídia internacional, os conceitos que embalam o governo imposto, no Brasil, após o golpe de Estado, em curso desde Maio de 2016.
“O que Temer chama de ‘reformas’ são o seu programa de privatizações, complementado por medidas que procuram retirar quaisquer barreiras à expansão do capital, sejam elas leis de proteção ambiental ou de direitos de trabalhadores. Como programa político estas ‘reformas’ não têm – nem poderiam ter – nenhum apoio da população e por isso devem ser apresentadas como uma inevitabilidade histórica – ‘não há alternativas”, afirmou Frederick.
Ainda segundo o ativista, “Temer, em Davos, exprimiu sua completa adesão aos objetivos do neoliberalismo – o que já sabemos – porém mais ainda o discurso revelou, para alívio da elite econômica em Davos, que há no Brasil poderes organizados capazes de utilizar diversas formas de violência para sustentar o seu governo e as suas propostas; eliminando a possibilidade de qualquer alternativa.
“Estranhamente, o segundo evento oficial anunciado pelo Fórum em que Temer participaria, um debate público com a participação do Prefeito de São Paulo João Dória, do Presidente do Bradesco, do CEO do Itaú-Unibanco e do CEO da Nestlé, Paul Bulcke, desapareceu da agenda do Fórum. Mas, em um evento fora do programa oficial, um jantar fechado para convidados onde Temer fez a abertura do painel Dando Forma à Nova Narrativa Brasileira, o CEO da Nestlé estava entre os convidados, como informou (o diário conservador paulistano) Folha de São Paulo.
“Ao que tudo indica, decidiram que o presidente Temer e o CEO da Nestlé não deveriam aparecer juntos em público. Afinal, a Nestlé é bem conhecida pelo seu apoio à privatização da água; e que negociações sobre este tema já existem entre a empresa e o presidente Temer é de conhecimento público. A rejeição da maioria da população brasileira à privatização da água parece ter influído em tornar mais discreto o encontro entre Temer e o CEO da Nestlé em Davos”, pontua.
A agenda de Temer em Davos, porém, ainda segundo Frederick, revela a importância do tema água:
“Temer teve encontros privados com o Presidente Global da Ambev, Carlos Brito; e com o CEO da Coca-Cola, James Quincey. Temer também encontrou o CEO da Dow Chemical, Andrew Liveris. A água é a principal matéria prima utilizada pela Coca-Cola e pela Ambev. E ‘por coincidência’, Andrew Liveris faz parte do ‘Governing Council’ do Water Resources Group –WRG – a iniciativa da Nestlé; Coca-Cola e Pepsi para privatizar a água através de parcerias público-privadas. No site oficial do WRG, Andrew Liveris aparece ao lado do ex-CEO da Coca-Cola Muhtar Kent – outro membro do ‘Governing Council’ do WRG”, acrescentou.
Frederick acrescenta que “a Diretora de Comércio e Política de Investimentos da Dow Chemical, Lisa Schroeter, aparece como membro do ‘Steering Board’ do WRG, junto com Dominic Waughray; que é membro também do Comitê Executivo do próprio Fórum Econômico Mundial”.
“A Ambev é parte da AB InBev, grupo que comprou a sua grande rival SABMiller por US$ 107 bilhões numa mega fusão que concentrou ainda mais o mercado das grandes empresas engarrafadoras de água, cerveja e refrigerantes. A SABMiller é uma das empresas fundadoras do WRG… O maior acionista individual do grupo AB InBev é o brasileiro radicado na Suíça, Jorge Paulo Lemann”, sublinha.
Nestlé, Coca-Cola, Pepsi, Ambev; Dow Chemical, WRG e toda esta rede de relações em torno do Fórum Econômico Mundial revelam como o big business se organiza para promover e executar sua agenda de apropriação das riquezas do planeta.
Em um outro artigo, também publicado na mídia internacional, Frederick cita uma reportagem icônica do Correio do Brasi
“Devemos lembrar, primeiro, de um importante artigo publicado pelo jornal Correio do Brasil no dia 22/08/2016 com o título: ‘Multinacionais querem privatizar uso da água e Temer negocia” . O artigo informa que, “segundo revelou um alto funcionário da Agência Nacional de Águas (ANA), em condição de anonimato (…). O Aquífero Guarani , reserva de água doce com mais de 1,2 milhão de km²; deverá constar na lista de bens públicos privatizáveis (…) As negociações com os principais conglomerados transnacionais do setor, entre elas a Nestlé e a Coca-Cola, seguem ‘a passos largos”.
E o autor segue adiante. “É importante lembrar também que, na data deste artigo; a presidente eleita Dilma Roussef ainda enfrentava o julgamento do processo de impeachment. Mas Temer já atuava como Presidente ‘de facto’; ou seja, mesmo antes do golpe consumado, já se negociava a privatização dos recursos naturais brasileiros, a verdadeira razão por trás do golpe.
“Em março próximo o Brasil vai sediar o Fórum Mundial da Água em Brasília. A Nestlé e o Water Resources Group estarão lá; já que este é o Fórum das grandes empresas privadas. As empresas públicas de água brasileiras e ainda mais as águas subterrâneas e as fontes de água mineral são os ‘alvos’ que esta proximidade entre Temer e Paul Bulcke indicam. A privatização destas empresas e recursos naturais será; naturalmente, apresentada como a ‘solução’ dentro do Fórum Mundial da Água”, ressalta Frederick.
“Espero que o Fórum Mundial Alternativo da Água que se organiza também em março; como resposta da sociedade civil às políticas neoliberais, reserve um bom tempo e espaço para trocar informações; e analisar as diversas práticas da Nestlé no mundo. Trata-se de uma questão fundamental”, conclui.
Correio do Brasil